Parece bruxaria. Mas descobriu-se que os ímãs atuam sobre substâncias que, aparentemente, não possuem magnetismo. O fenômeno ainda não tem explicação e desafia a visão convencional da ciência, recolocando em debate o próprio conceito de magnetismo. Por outro lado, as perspectivas de aplicação tecnológica são simplesmente espetaculares. Com o emprego de ímãs seria possível impedir, por exemplo, a formação de incrustações de carbonato de cálcio em tubulações de água, evitar o entupimento de canos de extração de petróleo causado por parafinas e, até mesmo, prevenir doenças como a arteriosclerose, provocada pela deposição de colesterol nas artérias. Pode-se acelerar também o processo de fermentação alcoólica, protagonizado por certas bactérias. É que tanto o carbonato de cálcio quanto as parafinas, o colesterol e as colônias de bactérias são misteriosamente afetados pela ação do campo magnético.
Uma equipe de pesquisadores brasileiros está na vanguarda das investigações sobre o assunto. Ela é ligada ao IPT, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas, de São Paulo, que comemora um século de existência (leia a reportagem seguinte). O time, formado pelos engenheiros Marco Giulietti, Fernando Landgraf, Marcelo Seckler e Alexandre Freitas e pelo químico João Poço, acaba de realizar um experimento no qual o fenômeno não apenas foi confirmado, como também rigorosamente medido. Essa abordagem quantitativa – a grande contribuição dos brasileiros – é indispensável para que se chegue a uma explicação científica e a uma aplicação controlada do fenômeno, que, até agora, vinha sendo tratado de maneira vaga e genérica pelos especialistas.
Para realizar seu experimento, os pesquisadores brasileiros tiveram que se armar de uma boa dose de coragem e ousadia. Pois o tema não era considerado sério pela comunidade científica. Fora do bem comportado território da ciência, porém, esses inesperados efeitos magnéticos são reconhecidos há muito tempo. Há várias décadas, estão disponíveis no mercado um sem-número de produtos magnéticos – pulseiras, emplastros, chinelos, coletes, colchões -, que prometem curar desde a simples fadiga e a trivial dor nas costas, até problemas bem mais sérios, como enxaqueca e arteriosclerose. Muito mais antigo é o uso de ímãs em processos terapêuticos, como na acupuntura chinesa.
Como não existe explicação física para o suposto efeito do magnetismo sobre a saúde, a ciência oficial sempre torceu o nariz diante dessa montoeira de objetos imantados, que cheiravam a charlatanismo. Pelo mesmo motivo, nunca levou em consideração os relatos sobre a influência positiva dos ímãs na produção de leite das vacas ou no crescimento das plantas. Aos olhos dos pesquisadores acadêmicos, tudo não passava de superstições ingênuas, há muito varridas do domínio do conhecimento racional.
Por isso, foi um choque quando – num congresso internacional sobre magnetismo, realizado em Birmingham, na Grã-Bretanha, em 1994 – a engenheira de materiais eslovena Spomenka Kobe apresentou um trabalho sobre o efeito do campo magnético numa solução de carbonato de cálcio [CaCO3]. Segundo a pesquisadora, o campo magnético afetava a estrutura cristalina da substância, um sal presente na água consumida em várias regiões do planeta. Essa hipótese explica por que o uso de ímãs evita que o carbonato de cálcio se deposite nas tubulações das caldeiras usadas para aquecer a água. Tais incrustações são um problema sério na Europa, onde a água é fortemente carbonatada e, no rigoroso inverno, a maioria dos imóveis utiliza um sistema de aquecimento baseado em serpentinas de água quente.
O engenheiro químico Marcelo Seckler, chefe do Agrupamento de Processos Químicos do IPT e um dos membros da equipe de pesquisadores brasileiros, testou a hipótese na própria Europa. “Usei uma solução de fosfato tricálcico [Ca3(PO4)2], um sal semelhante ao carbonato de cálcio. E verifiquei que, na presença do campo magnético, a substância se aglomerava no meio líquido, produzindo um número menor de partículas, de tamanho maior”, informa Seckler. Isso fazia com que, em vez de se depositarem nas paredes
do recipiente, formando incrustações, esses cristais mais graúdos fossem arrastados pelo fluxo normal da água.
A estratégia
Enquanto Seckler contava partículas, o engenheiro metalurgista Fernando Landgraf, um especialista em magnetismo, trazia a idéia ao Brasil. “Fiquei muito impressionado com a apresentação de Spomenka e transmiti meu entusiasmo ao Marco Giulietti, na época diretor técnico do IPT. Foi assim que nasceu a nossa equipe”, recorda Landgraf. Giulietti era o orientador da tese de doutoramento do engenheiro químico Alexandre Freitas. E a estratégia do grupo foi congregar toda a sua atividade em torno desse trabalho de pesquisa. “Resolvemos utilizar dois sais – o sulfato de cobre [CuSO4.5H2O] e o sulfato de zinco [ZnSO4.7H2O] – que reagem de maneira diferente ao campo magnético. E, empregando um ímã 70 vezes mais forte do que os usados nos adesivos comuns de geladeira, investigamos como ele afetava três propriedades dessas substâncias: sua solubilidade na água, o tamanho médio das partículas formadas durante a cristalização e a velocidade de crescimento dos cristais”, explica Giulietti.
O sulfato de cobre pertence a uma classe de materiais conhecidos como “paramagnéticos”, que são muito fracamente atraídos pelo ímã. O campo magnético não alterou nenhuma de suas propriedades. Já o sulfato de zinco faz parte da categoria dos materiais “diamagnéticos”, que são muito fracamente repelidos pelo ímã. O carbonato de cálcio, a parafina e o colesterol participam do mesmo grupo. E, nesse caso, o campo magnético produziu efeitos espetaculares.
A solubilidade do sulfato de zinco diminuiu em cerca de 8%. Isso significa que uma solução perfeitamente homogênea do material ficava saturada quando colocada entre as faces do ímã. Iniciava-se, então, um processo de cristalização que produzia partículas de tamanho 50% maior do que o normal e que cresciam numa velocidade 40% mais intensa. Porém, a maior surpresa ainda estava por acontecer. Os pesquisadores verificaram que, depois de ser submetida ao campo magnético por um certo tempo, as propriedades da solução mantinham-se alteradas mesmo depois de o ímã ser retirado. O efeito perdurava por até quatro horas. “Era como se a solução guardasse uma memória do campo magnético”, comenta Landgraf.
Qual é a explicação para tão estranho fenômeno? Essa é a pergunta que desafia os pesquisadores. “A causa está, provavelmente, na interação entre o campo magnético gerado pelo ímã e os campos elétricos das partículas das substâncias envolvidas nos experimentos”, sugere Alexandre Freitas. Mas não se arrisca a ir além desse ponto. “Estamos claramente numa área de fronteira da ciência”, arremata Landgraf.
Em setembro do ano passado, o físico irlandês Michael Coey, um dos maiores especialistas em magnetismo, convidou a comunidade científica a encarar o desafio representado por esse tipo de fenômeno. “É hora de tirarmos o assunto da mão dos bruxos”, disse. Essa conclamação é importante, porque a história da ciência está cheia de casos de fenômenos relevantes que foram descartados pelo fato de não se amoldarem à visão de mundo majoritária. Porque não podiam ser facilmente explicados, esses fenômenos passaram a ser considerados como se não existissem. E viraram tabu.
Magnetismo sem preconceitos.
Os pesquisadores do IPT não se deixaram intimidar pelo preconceito. E o sucesso de seu experimento só os tornou ainda mais entusiasmados. Confirmado o efeito do ímã sobre as substâncias “diamagnéticas”, eles se preparam agora para entrar no terreno promissor das aplicações tecnológicas. O químico João Poço tem feito testes para verificar o efeito do ímã sobre o crescimento das plantas e com dispositivos magnéticos que aparentemente reduzem a poluição e o consumo em veículos automotores. Decidido a apostar suas fichas numa jogada de êxito garantido, o grupo oscila entre concentrar esforços no desenvolvimento de uma técnica magnética de purificação da água ou em um método de controle do colesterol. “O sangue é diamagnético nas veias e paramagnético nas
artérias. Um superímã instalado dentro de uma veia poderia impedir a sedimentação do colesterol”, anima-se Giulietti. E declara-se pronto a estabelecer parcerias.
A surpresa maior: os efeitos gerados pelo ímã persistem mesmo
depois de ele ser retirado
Os pesquisadores em plena atividade. Da esquerda para a direita: Alexandre Freitas, Marcelo Seckler (atrás), Marco Giulietti, Fernando Landgraf e João Poço
Um esquema do equipamento usado no experimento e mostrado na foto ao lado: o pequeno recipiente com a solução salina é colocado entre
as faces de um poderoso eletroímã
A causa do magnetismo natural
Os efeitos magnéticos aparecem toda vez que existem cargas elétricas em movimento. Isso é conhecido desde 1821, quando o físico dinamarquês Hans Christian Oersted descobriu que a agulha imantada da bússola era desviada por uma corrente elétrica. No ano seguinte, outro físico ilustre, o francês André Marie Ampère, sugeriu que pequenas correntes deviam circular no interior dos ímãs naturais, sendo responsáveis por sua capacidade de atrair ou repelir certos metais. Grosso modo, ele estava certo. De fato,
ao girarem em redor dos núcleos atômicos, os elétrons geram diminutos campos magnéticos. Na maioria das substâncias, esses campos encontram-se desalinhados, de modo que seus efeitos se anulam uns aos outros. Porém, na magnetita [Fe3O4], o óxido de ferro que constitui os ímãs naturais, não é isso que acontece. Nele, os minúsculos campos atômicos estão todos emparelhados e a soma de seus efeitos responde pelas propriedades magnéticas globais do material.
1 Os campos magnéticos dos átomos estão em geral desalinhados
2 Na magnetita, porém, eles se apresentam emparelhados
3 Isso produzo efeito magnético dos ímãs
4 Que se perde quando o material é golpeado
(fonte: Revista Galileu julho 1999)
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